sexta-feira, 13 de abril de 2012

parto


a minha melhor porção
chegou no impulso
naquele que pensar, prever, calcular
não faz parte.

a outra parte partiu
seja por ojeriza a essa transformação ou não
conheci o desamor o abandono de viver a minha transformação.
e fui vivendo...

assim como crescia meu ventre
crescia uma nova mulher em mim
feminina, generosa, resignada?

sempre fui contra a resignação.

muitos filmes e lágrimas depois

intocável.
só.
com os deuses.

cheguei a termo.

o tempo de gerar um ser humano
é um tempo curioso.

para a parturiente
o mistério da vida é revelado.

há que se ter grandeza de espírito para acompanhar tal revelação
do contrário
perde-se a grande oportunidade
de saber o que está do outro lado.

não tinha medo da dor
mas talvez da tal revelação
e ela se aproximou em um dia calmo
onde caminhei
nadei com o pôr do sol
fazendo as pazes com o destino.

tive ainda um fio de esperança de não estar só
mas... me cabia a profunda solidão
e encarei.

minha guia era japonesa
como era de se esperar.
minha relação visceral com o oriente
tinha que estar presente.

depois de ver tantos rituais e depoimentos

um assunto que me capturou
e me fez pesquisar para um documentário
estava me fazendo sentir na práxis
a minha versão da história
com a minha irmã e de parto
como testemunha.

não acionei a trilha sonora, o incenso, o dime, as ervas
fechei os olhos, abri a alma

e entrei.

no túnel do kurosawa.
como um soldado morto agonizando na dor do esquecimento
sentindo suas feridas vivas.

sentia um punhado de arakiris
arakiri de uma pessoa
que jamais seria a mesma.

a cada contração
um passo a mais dentro deste túnel
a cada intensidade
a certeza de uma mudança
de paradigma
de rumo
de eixo

tive que alinhar o lado esquerdo com o direito
quando voltei a razão...
"será que meu canal não é muito estreito?"

travei
e a cabeça já estava fora.

ardia mas eu esperava mais ardor e não me toquei.
minha guia tinha paciência
sentia com as mãos
minha história
sabia navegar na solidão
e com muito respeito
me conduziu no limite
a mudar de posição

foi quando o bracinho veio.
apoiado na cabeça
pensando talvez
em uma frase de shakespeare

e o corpinho escorregou pra fora.
a segunda coisa quente depois da saída das águas.

um corpo quente e forte que saiu das minhas entranhas.

já cheio de manha
de manhã

a luz.

a minha menina.

e a agarrei como um bicho
coloquei nos meus braços em lágrimas
beijei, cheirei, apertei, cafunguei
expulsei a placenta em dor sublimada

e parti.
pra amar a zoe
a minha vida.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

quase

minha filha
ainda estou a cruzar o rio que nos separa
e nos une
foram anos a sua espera
entre lá e cá
entre mundos de convicções
de batalhas
muitas inclusive perdidas.
e chegamos.
aterrisamos.
nunca estive tão encantada
de uma porção tão mágica
e feminina.
que envolve a mulher a mãe e a menina
aqui dentro
e que te convida
a passar comigo uma vida
para aprendermos e cultivarmos nosso amor.
bem vinda minha filha
aqui na carne o mundo é cão
mas onde tem trabalho tem pão
tem um grão de esperança.
podemos transformar a fé
em enterna criança
cheia de pureza
e descobertas...perseverança.
e vamos juntas,
caindo ou não
juntar cada parte
dessa missão.
a minha, a sua e a nossa
nessa forma composta
de liberdade
e chão.
sempre com muita verdade
sem abrir mão
da criação, dos nossos sonhos,
que mesmo por caminhos medonhos
nos façam voar, sorrir, transcender
nessa toada de disputas de poder
que possamos juntas sempre crescer, crescer e florescer.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

você



cresce dentro de mim
a cada dia.
faça sol ou faça chuva
você florece.
de noite ao descansar
você sofre suas maiores mutações.
e eu também.
fico triste e seu coraçãozinho bate.
fico preocupada enquanto você ganha pés para voar.
choro enquanto você descobre seus primeiros dedinhos.
sorrio e você se espreguiça
soluço e você se atiça.
sei que está pequenino
não sei se é menina ou menino
mas sei que é amor.

sábado, 23 de julho de 2011

muralha

queria que suas mãos pudessem sentir o outro coração que bate
mas não posso,
elas estão distantes.
queria te mostrar o calor dos meus poros
a valsa das minhas células
mas não posso,
as palavras não substituem a experiência.
queria te contar meus sonhos mais malucos pela manhã
depois de fazer amor
mas não posso,
a correspondência tem um tempo retardado e dúbio de compreensão.
queria passear com você, reviver os sentidos, encontrar poesia nos lugares mais insólitos
mas não posso
cada vez que nos falamos temos menos e menos assunto em comum.
queria que provasse novos sabores e aromas todos os dias, que ficasse surpreso com a nossa alquimia
mas não posso,
sinto só o aroma do vazio.
queria te fazer carinho antes de dormir, dizer que está tudo bem, que nada como um dia depois do outro.
mas não posso,
tenho travesseiros surdos.
queria enroscar a minha perna na sua e assistir o tempo parar em plenitude
mas não posso.
queria que sentisse a mutação do meu corpo a cada instante, revelando os mistérios da vida
mas não posso mais.

terça-feira, 5 de julho de 2011

solidão

sonhar com o voo
foi ilusão.

quando acordei
estava de cara pro abismo
e me joguei.

me joguei como a alma do suicida que acredita em super heróis
que espera que no último minuto possa ser salvo...

mas não fui.
meu corpo caía
as lágrimas queriam virar asas
e não voavam
despencavam

mesmo desmoronando tinham esperança.

a solidão rasgava por todos os lados
não tinha onde apoiar as mãos.

meu corpo batia e quebrava em cada
lembrança de ser dois.

em pedaços se desfazia
lento na gravidade mansa
que se sente depois da guerra
depois da catástrofe.


não teve vento
não teve mitologia
não teve alegoria
não teve história
não teve passe
não teve enlace


não teve jeito.

não teve fim.

mas terá.

sábado, 4 de junho de 2011

perdas

tem dias que você se leva embora. vai. vai sentindo, vai levando.
e cai aos poucos em vários lugares, se espalhando entre os acontecimentos.
se mistura a idéias, se dissolve em uma paixão.
levada pelo excesso
você se torna uma verdadeira presa.
te tiram aquilo que você contava pra passar seus aéreos dias .
tiraram o seu chão de vento e te deram um solo árido.
você assiste a cadeia alimentar da injustiça no seu país operar perfeitamente.
de fora pra dentro você tomba, de dentro pra fora você silencia. vai levando...
mas dessa vez não é levada.
você se eleva para se ver.
você esteve morta.
sendo assim,
você recomeça.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

fora do tempo

tiraram o chão do tempo
ou o tempo do vão
sem saber sem ver
o caminhão
o trem
de lágrimas embutidas
que passaram distraídas pelo meu corpo
não sofri.
não senti fora.
elas choravam no osso
entrelaçadas em estradas
amontoadas em camadas
até o pescoço.
navego agora solta
desmebrada no espaço
não sinto o vento
mas um movimento que me leva.
não sinto o cansaço da memória que as mágoas tem.
estou fora do frasco
respirando o estilhaço do meu novo aroma
zen.